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Área Temática 1 - COMUNICAÇÃO
EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA: MOMENTOS HISTÓRICOS DE SUA INSTITUCIONALIZAÇÃO Profa. Ms.Vera Lucia Schneider Bemvenuti* Resumo Este artigo pretende contribuir para a construção conceitual da extensão universitária. Apresenta a gênese do processo, desde 1918 em Córdoba, na Argentina, assim como a história da extensão na América Latina e no Brasil. Para complementar,reflete sobre os desafios atuais da institucionalização da extensão universitária que está sendo desafiada a tornar-se indissociável do ensino e da pesquisa.
Resumen This paper intends to contribute for building the university extension concept. It presents the genesis of the process since 1918 in Córdoba, Argentina, as well as the history of extension in Latin America and Brazil. In addition, it discusses the challenges presently faced by the university extension, which is being confronted to the need of becoming an essencial part of education and research
Palavras-chave: Extensão Universitária, Momento Histórico, Institucionalização.
Área Temática: Comunicação
Especialmente a partir dos anos 90 retomamos, no Brasil e com quase certeza em toda a A. Latina, a discussão sobre a extensão universitária, por meio de artigos, livros, palestras em eventos específicos relacionados à área. Isso porque, ocorreu um total silêncio a contar de 1964 até meados da década de 80, sobre a participação estudantil e o relacionamento da universidade com a sociedade. A temática está imbricada com os processos de abertura política na Latina. A história da Extensão Universitária tem origem com o Manifesto de Córdoba, em 1918, escrito pelos estudantes e reivindicando a abertura e a sensibilidade da universidade para os problemas sociais e de colonialismo vividos pelo povo latino-americano. O quadro resumo sobre os momentos mais significativos para a extensão universitária na AL, favorecem a reconstrução dos momentos históricos. Quadro 1: Demonstrativo do movimento pró-social das universidades Latino-americanas de 1908 – 1972. [1]
Quadro 2: Demonstrativo do avanço na organização das IES Latino-americanas em favor do incremento da Extensão Universitária ([2] )
O pensamento positivista marcou profundamente a vida nacional desde o fim do Império.A Proclamação da República, além de condensar interesses de vários grupos (republicanos, federalistas, liberais e dissidentes monarquistas) apontava a educação como o canal de redenção nacional. Foi nesse contexto que a abertura das universidades para a sociedade aconteceu concretizada na idéia de uma “universidade popular”. Como lembra Gurgel, a Universidade Livre de São Paulo, surgida em 1912,teve a influência forte de Augusto Ribeiro Guimarães, um militante positivista que pregava o ensino livre.Gurgel ainda destaca que já haviam experiências de universidades populares no Rio e no Maranhão, mas essa experiência de SPaulo foi a primeira ligada a uma instituição de ensino superior. Por isso se considera a primeira experiência de extensão universitária (Gurgel, 1986) As conferências semanais e gratuitas abertas oferecidas ao público interessado são indicadores claros do distanciamento universidade/sociedade: “O Fogo Sagrado da Idade Média”, “A Latinidade Rumania” ou “A importância e o Progresso da Otorrinolaringologia”. Se acelerarmos um pouco a história da extensão universitária é possível afirmar que as campanhas políticas na década de 60, que reivindicavam a nacionalização dos monopólios estrangeiros, (reforma agrária, controle da inflação) estavam dentro dos sindicatos, das organizações da sociedade civil e em especial nos movimentos estudantis, tanto universitário quanto secundário. O espírito revolucionário da época reforçou-se das reflexões filosóficas do professor Ernani Fiori e do pensamento político-pedagógico de Paulo Freire, direcionados para a justiça e a igualdade social; o método de Alfabetização de Adultos de Paulo Freire foi assumido pelos estudantes universitários como práxis e como utopia de conscientização popular para fazer frente as propostas imperialistas de solução dos problemas brasileiros incorporada pela famosa “Aliança para o Progresso”.Para Freire, trabalhar nessa perspectiva “ (...) nos convida a assumir uma posição utópica frente ao mundo, posição esta que converte o conscientizado em “fator utópico”, pois a ele cabe tomar posse da realidade; (...) a conscientização produz desmitologização. É evidente e impressionante, mas os opressores jamais poderão provocar a conscientização: como desmitologizar se eu oprimo?”(1980,p.29) Essa é uma reflexão que tem como objetivo desvelar o conteúdo político-pedagógico e filosófico que circulava no interior das universidades sobre seu relacionamento com a sociedade. Para Durhan, (apud Bemvenuti, 2002) a extensão universitária no Brasil é fruto de três versões históricas que perpassam momentos de tensão política e econômica, como também de desenvolvimento tecnológico: a) a tradição latino-americana – envolvimento institucional menor e marcada pelo ativismo estudantil. Dois momentos importantes no Brasil podem ser lembrados como representantes dessa tradição: a abolição da escravatura, com o envolvimento maciço dos estudantes de direito e os movimentos da década de 60 com caráter vanguardista; b) a tradição americana – universidade de serviços para atender e capacitar a população em suas necessidades; c) a parceria – extensão de serviços, com compartilhamento de recursos, em especial do conhecimento mais especializado e dirigido ao setor produtivo. A historia da extensão universitária no Brasil esta marcada por definições estatais considerando as diversas legislações que a afetaram por políticas e planos educacionais dirigidos à reforma do ensino superior.
A consolidação dos Fóruns de Pró-Reitores de Extensão, é representativa da diversidade das IES que hoje constituem o sistema de ensino superior no Brasil. Como decorrência desse processo de amadurecimento institucional as experiências de extensão universitária necessitam ser avaliadas pelas possibilidades de diálogos que propiciam. Esse diálogo, instalado nas práticas cotidianas em tempo e campo real, afirmam a idéia freireana de que o homem é um ser da práxis, da ação e da reflexão. É a idéia de que o homem, atuando, transforma e, transformando, cria uma realidade que, por sua vez, condiciona sua forma de atuar. Muitos espaços oferecidos para esse diálogo foram se construindo por histórias que envolveram professores, alunos e comunidade em momentos significativos de abertura da instituição para relacionamentos com a sociedade civil e com o poder público dos municípios de sua região geo-educacional. Podemos afirmar, que esse relacionamento com a sociedade direcionou avanços conceituais sobre extensão universitária, dentro e fora das universidades. Com eles foi possível definir, ao longo do tempo, a identidade dessas ações, as políticas, as metodologias, e principalmente, as reflexões necessárias à tomada de consciência sobre as ações que se realizavam com, e na comunidade. A extensão universitária, na perspectiva das ações e das práticas sociais, constituiu-se num canal importante de construção da identidade institucional e da aspiração histórica das IES. As instituições vem construindo suas histórias de extensão universitária na medida de seus compromissos locais e regionais, em consonância com sua Missão e sua Visão. Desses compromissos, tem resultado significativas ações nas mais diversas áreas do conhecimento, oportunizando diagnósticos sociais, econômicos e culturais motivadores de políticas e redimensionamentos de pesquisas e de ofertas de cursos de extensão e de especialização, bem como de programas de capacitação de multiplicadores para atuação direta em espaços de organização da sociedade civil, como fóruns, conselhos e ongs.
Desafio emergente para a extensão universitária Quando tudo em nosso entorno aponta e sugere ruptura, separação, dissociação, as discussões acadêmicas sobre a extensão universitária transitam pelas reflexões sobre a possibilidade e a necessidade de tornar unitário e indissociável aquilo que, na estrutura da universidade, começou em outro tempo, separado,isolado, movimenta-se por si só, e realiza-se na dissociação do ensino e da pesquisa: - a extensão universitária. O desafio de pensar a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, é o desafio de fazer universidade hoje. É pensar o “que fazer” da universidade. Para Malvina Dorneles(2002)[3], “pensar a universidade através da mediação metafórica do tripé, configurado pelo Ensino, a Pesquisa e a Extensão, mostra uma concepção tríade da sua natureza organizacional que, a partir de uma estrutura triforme e tripartite, se apresenta como um efeito de composição superestrutural, uma espécie de síntese resultante da interação dialética dessa trindade funcional.No entanto, no cotidiano universitário, essa perspectiva tem um resultado numa aproximação mecânica das três dimensões acadêmicas que ocorrem de forma autônoma e, na maioria das vezes, desconexas.” Talvez pudéssemos ancorar a idéia de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão na concepção de Boaventura Santos sobre um “modelo edificante de ciência”, o qual comporta um conflito entre o conhecimento como regulação e o conhecimento como emancipação. Para ele, “à universidade compete organizar esse compromisso, congregando os cidadãos e os universitários em autênticas comunidades interpretativas que superem as usuais interações, em que os cidadãos são sempre forçados a renunciar à interpretação da realidade social que lhes diz respeito.” (1997,p.97)
Nessa perspectiva da indissociablidade teríamos a extensão universitária como espaço institucional da inter-multi-transdisciplinaridade, que acolhe a transversalidade teórico-prática das diferentes áreas do conhecimento, pela oportunidade de responder aos desafios que lhe permitem multiplicar seus espaços de ensinar-aprender dando lugar à múltiplas configurações. As interações resultantes desse processo utilizam-se de uma potência sinergética toda vez que se dá lugar à criatividade e à subjetividade, num espaço-tempo em que a convivência se negocia e renegocia constantemente no lugar de estar cristalizada disciplinarmente. Considera-se hoje, que as temáticas provenientes dessa convivência (teoria-prática), são responsáveis por 80% das pesquisas que a universidade vem realizando. Nessa dimensão o conhecimento abandona seu caráter exclusivamente transmissivo e incorpora o “saber fazer” como valor pedagógico do saber pensar, questionar, ouvir, intervir e, fundamentalmente, saber reconhecer, aceitar e conviver com outros saberes, outras culturas e outras crenças.
*Professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo.
[1] Os quadros 1 e 2 compõem-se de dados sintetizados pela autora, a partir de variadas leituras que apontam a história da extensão universitária na América Latina, com destaque especial para documentos do Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas do Brasil e dos Congressos Iberoamericanos de Extensão Universitária, desde 1996.
[2] -Temos que registrar que o Brasil foi convidado a participar oficialmente do Congresso do México em 2000 e sediou em 2001 o VI Congresso Ibero-Americano de Extensão Universitária realizado em Embú das Artes, São Paulo.
[3] Considerações apresentadas pela professora Malvina Dorneles, do PPGE da UFRGS, ao compor a banca de avaliação da Dissertação de Mestrado da autora em 4 de março de 2002, naquela instituição.
Referências Bibliográficas 1- BEMVENUTI, Vera L. S. Da Intenção ao Gesto: a Extensão Universitária como Prática Acadêmica na Perspectiva da Construção do Conhecimento Novo.Dissertação de Mestrado.Porto Alegre. UFRGS. 2002 2- DORNELES, Malvina.Parecer Apresentado na Banca de Defesa da Dissertação de Mestrado da Autora.UFRGS.Março de 2002 3- FREIRE, Paulo. Conscientização. São Paulo: Cortez e Moraes, 1980a. 4- GURGEL, Mauro. Extensão Universitária: Comunicação ou Domesticação? São Paulo: Cortez, 1986. 5-FREIRE, Paulo. Conscientização. São Paulo: Cortez e Moraes, 1980a. 6-SANTOS, Boaventura de Souza Pela Mão de Alice - O Social e o Político na Pós- modernidade. São Paulo: Cortez, 1997. |