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     Área Temática 8 - TRABALHO

 

O PROCESSO DE TRABALHO DO POLICIAL MILITAR

NUMA PERSPECTIVA SOCIAL[1]

Cristina K. Fraga[2] 

RESUMO: O artigo aborda o processo de trabalho do Policial Militar (PM), buscando subsídios para discorrer sobre o trabalho em si, o seu objeto e os meios necessários à sua realização. Como características do trabalho tem-se que é constituído por uma gama de atividades variadas, com ingredientes incertos e surpreendentes. As considerações finais sugerem a necessidade de estudos que dêem visibilidade aos aspectos referentes à violência inerente ao trabalho policial que se configura como uma das profissões de alto risco, não só pela sua natureza, mas também pelas suas formas de exercê-la.

Palavras-chaves: Processo de trabalho, trabalho policial, violência.

 

ABSTRACT: The article boards the Military Police (PM), researching subsidies to discourse at the job, its objective and the necessary ways to its realization. As job characteristic, its constituted by a gamma of variety activities, as uncertain and amazing ingredients. The final considerations suggest the necessity of studies that gives visibility to aspects regarding to inherent violence to the police work that configures with one of the highest risk profession, not only for its nature, but also for its exerting way.

KEYWORDS: working process, police work, violence.

 

ÁREA TEMÁTICA: Trabalho

 

Considerações Preliminares

            Produzir uma reflexão acadêmica sobre o processo de trabalho do Policial Militar se constitui um imenso desafio, mesmo para quem já está pesquisando, há algum tempo, a temática Saúde do Trabalhador PM, com ênfase no acidente de trabalho. Em primeiro lugar, pela associação negativa que a imprensa, de um modo geral, vem veiculando a atividade Policial, geralmente pela atuação arbitrária e truculenta de alguns de seus agentes, que acabam por minar uma imagem generalizada da instituição e de todos os seus trabalhadores, ligadas sempre à violência.

Em segundo lugar e, em decorrência do primeiro aspecto, dissertar sobre o processo de trabalho do PM, dando vistas à sua complexidade, os riscos constantes que enfrenta diariamente, é, acima de tudo, uma empreitada que tem um significado social do qual, sente-se eticamente convocada, devido à experiência profissional anterior (1993/2000) e de pesquisadora (desde 2000) da Polícia Militar do Rio Grande do Sul.

Nesse sentido, a proposta deste artigo consiste em abordar os aspectos que caracterizam o processo de trabalho do policial militar na busca de uma elucidação mais clara de sua real responsabilidade e perigo que permeia o seu objeto, a segurança pública.

 

Os elementos constitutivos do processo de trabalho do policial militar

            O conceito de processo de trabalho foi desenvolvido por Marx (2002) na obra intitulada O Capital, especificamente no volume I, na Parte Terceira do Capítulo V. De acordo com o autor, o trabalho é um processo do qual participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano, com sua ação, põe em movimento as forças naturais do seu corpo com a finalidade de se apropriar dos recursos da natureza, imprimindo-lhes utilidade à vida humana.

Marx (2002, p. 211-212) concebeu trabalho como uma atividade exclusivamente humana, diferentemente da ação animal, por mais perfeita que esta possa ser. Pondera o autor: “Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha supera mais de um arquiteto ao construir uma colméia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade.”

            Na perspectiva marxista somente a ação humana é capaz de resultar em trabalho porque esta é planejada, pensada antes de sua execução. Os elementos constitutivos do processo de trabalho são três: 1) a atividade adequada a um fim, o trabalho propriamente dito; 2) a matéria a que se aplica o trabalho, o objeto de trabalho; 3) os meios de trabalho, o instrumental utilizado pelo trabalhador. O objeto de trabalho tanto pode ser a matéria em seu estado natural, como objetos resultantes de trabalho anterior, as matérias-primas. Os meios de trabalho são os instrumentos de que o trabalhador se utiliza. É o instrumental disponível para a realização de suas atividades.

Considerando especificamente a atividade do policial militar, sujeito deste estudo, entende-se que seja um trabalhador que desenvolve um processo de trabalho peculiar. Concebe-se também que o exercício de sua atividade caracterize uma profissão, conforme defendem autores como Poncioni (2003, p. 69), que, em sua tese de Doutorado pesquisou a construção da identidade profissional do PM do Rio de Janeiro. Segundo a autora, a polícia é uma profissão, na medida em que:

 

[...] a atividade policial é exercida por um grupo social específico, que compartilha um sentimento de pertencimento e identificação com sua atividade, partilhando idéias, valores e crenças comuns baseados numa concepção do que é ser policial. Considera-se, ainda, a polícia como uma “profissão” pelos conhecimentos produzidos por este grupo ocupacional sobre o trabalho policial – o conjunto de atividades atribuídas pelo Estado à organização policial para a aplicação da lei e a manutenção da ordem pública –, como também os meios utilizados por este grupo ocupacional para validar o trabalho da polícia como “profissão”.

 

Corroborando, Consul (2005, p.198) aprofunda o tema desvelando a identidade da PM Gaúcha, ao longo de sua existência, sem deixar de lado o valor substantivo do sujeito que o realiza, o PM. O autor opta por analisar o exercício do trabalho PM, os parâmetros da dimensão simbólica, atribuída ao conceito de profissão: “[...] que se caracteriza pela percepção, pelas expectativas e pela retórica que os policiais militares utilizam para legitimar, entre o eu e o outro, nós e eles, o atributo de “profissão policial” sob os auspícios das atividades que desenvolvem no seu cotidiano laboral”.

 Ao se considerar a polícia como profissão, como uma especialização na divisão socio-técnica do trabalho, destaca-se que o policial é um sujeito que desenvolve um processo de trabalho. O trabalho do policial na sociedade produz um valor de uso (o serviço de segurança pública oferecido à sociedade) e um valor de troca (preço pago pelo seu empregador, o Estado, pelo seu serviço). 

Tendo em vista as contribuições marxistas que indicam que um processo de trabalho é composto pelo trabalho em si, o objeto e os meios pelos quais o trabalhador realiza a sua atividade, buscar-se-á descrever, brevemente, os elementos constitutivos do processo de trabalho do policial militar:

1.      O trabalho propriamente dito – a atividade policial desenvolvida com a finalidade de executar a política de segurança pública; são as ações da polícia (vão desde o policiamento ostensivo até controle de tumulto); é, sempre, “em tese”, planejado.

2.      A matéria-prima do trabalho policial – é a sensação de segurança social, a ordem pública, o policiamento ostensivo, a defesa pública, enfim, é a segurança pública na sociedade.

2.1 O objeto de trabalho: é etéreo – é a segurança pública (prestação de serviço), tanto formal, variáveis do policiamento, como informal, ações que visam à sensação de segurança da comunidade. 

3.      Os meios – tudo aquilo de que o PM se utiliza na realização de seu trabalho; podem ser subdivididos em: instrumental e conhecimento técnico-operativo.

3.1 Instrumental – são os equipamentos utilizados e os aprestos. São as ferramentas que dão suporte ao PM na realização de suas atividades, tais como: o uniforme (a farda), capa de chuva, as armas (arma de fogo, cassetete e algemas), viaturas, rádios transceptores, apito, coletes refletores, papel, caneta, telefone; instrumentos de prevenção: colete à prova de balas, capacete de controle de tumulto, escudo de controle de tumulto, capacete balístico, caneleiras, joelheiras (estas duas últimas são usadas, freqüentemente, para uso de motociclistas e controle de tumulto); capa, capacete e roupa de proteção contra incêndios, usados pelos bombeiros. Também são meios de locomoção (mais específicos e um pouco mais incomuns) no processo de trabalho do PM: o policiamento com bicicleta (tem-se a bicicleta como meio); no caso de policiamento montado, tem-se o cavalo; no policiamento aéreo, o avião; em embarcação, o barco e a lancha.

3.2 Conhecimento técnico-operativo da profissão – é aquele adquirido no exercício profissional e o conjunto de conhecimento qualificatório que o PM adquire por meio dos cursos de formação e habilitação. Por exemplo, o aporte jurídico-legal acionado, quando chamado a intervir nas ocorrências. Este último, o aporte jurídico-legal ou os recursos técnicos, é que lhe darão o suporte de conhecimento necessário para orientá-lo na sua maneira de agir (por exemplo, quando poderá entrar numa residência, mesmo sem o mandado judicial e sem a autorização de quem lá reside). São os recursos técnicos que o PM acionará no desempenho de sua atividade. Para tanto, conforme Muniz (1999), necessita de informações sobre a legislação criminal, civil e militar e suas formas de execução. Em relação aos recursos físicos, a autora ressalta que é exigido do policial saberes relativos ao manuseio e ao emprego do armamento, do conhecimento, do ciclo completo de abordagem policial ostensiva e os processos de intervenção preventiva, dissuasiva e repressiva. De acordo com o Manual Básico de Policiamento Ostensivo (1977), as técnicas mais utilizadas pelo PM são: abordagem de pessoas a pé; abordagem de veículo suspeito; busca pessoal (conhecida vulgarmente como “revista” ou “gerica”); desarmamento; condução de preso; perseguição; descrição e providências em local de crime. O policial se utiliza ainda de outros recursos que podem contribuir para a efetividade de sua ação, tais como os diálogos com a comunidade, palestras e orientações.

            Para Monjardet (2003, p. 15), o papel da polícia é tratar de problemas humanos quando sua solução necessita ou possa necessitar do emprego da força e “na medida em que isso ocorra – no lugar e no momento em que tais problemas surgem. É isso que dá homogeneidade a atividades tão variadas [...].” Assim, para que o policial possa realizar o seu trabalho com eficiência é fundamental que aprenda a intervir nos mais distintos espaços, de modo que exerça sua autoridade como profissional dentro das prerrogativas que lhe conferem o poder de polícia, mas sem abusar desse poder, de maneira arbitrária ou autoritária.

            Após identificar, por meio de exemplos concretos, os elementos que compõem o processo de trabalho do policial militar, faz-se necessário comentar os aspectos constitutivos do trabalho policial militar, o trabalho em si.

O policial militar (PM) ou brigadiano (designação somente no Estado do Rio Grande do Sul) é o militar estadual (ME), o profissional responsável pela execução da política de segurança pública, funcionário público estatal (logo, tem o Estado como empregador) e é o único profissional que é julgado por duas justiças distintas: a civil e a militar, podendo ser submetido a punições por atos que não redundam em nenhum tipo de pena para o cidadão civil, conforme assinala Pinto (2000).

A atividade-fim do PM, o policiamento ostensivo, é exercido pelo policial fardado, em locais públicos, com caráter preventivo, pela observação e fiscalização, com a atitude de vigilância, tentando coibir a ação de infratores e evitar a ocorrência de atos delituosos.

De acordo com que é explicitado no Manual Básico de Policiamento Ostensivo (1999, p. 10), os serviços de policiamento são compostos de diversas variáveis que identificam os seus aspectos, como ilustra o quadro a seguir:

 

VARIÁVEIS

ASPECTOS

Processo

a pé, motorizado, embarcação, de bicicleta, aéreo, montado

Modalidade

   patrulhamento, permanência, diligência, escolta

Circunstância

ordinário, especial, extraordinário

Lugar

urbano, rural

Desempenho

atividade de linha, atividade auxiliar

Duração

turnos, jornadas

Efetivo

individual, dupla, trio, grupamento, pelotão, companhia ou esquadrão, batalhão ou regimento

Forma

desdobramento, escalonamento

Tipo

rodoviário, trânsito, geral, ambiental, de guardas, comunitário, operações especiais ou outros.

Suplementação

 cães, rádio transceptores, armamentos e equipamentos peculiares ou outros meios.

Quadro 1: Variáveis e aspectos do policiamento ostensivo exercido pelos policiais militares.

Fonte: Adaptado do Manual Básico de Policiamento Ostensivo da Brigada Militar, 1999.

 

Percebe-se, pelo Quadro 1, a amplitude de serviços prestados à população. Embora à primeira vista possa se imaginar os serviços da Polícia Militar somente centrados no processo de policiamento ostensivo, representado pelos soldados fardados, a pé, na rua ou nas viaturas, isso contempla apenas uma das variáveis e um dos aspectos dessa variável.

A gama de serviços prestados pela Brigada Militar já foi destacada por Mariante (1972): na rua – no serviço de policiamento ostensivo: no trânsito, nos colégios, nos bancos, nos serviços exercidos pelos bombeiros (nos casos de salvamentos), nas rodovias, abas-largas – combatendo o abigeato e os abigeatários, na guarda dos presídios, escoltas e diligências, nas grandes reuniões de pessoas, nas greves, nas estações viárias, nas praias – como salva-vidas, flora e fauna, postos fiscais, nas comunicações, nas calamidades, guarda consular, nos dias festivos, além de outras colaborações, tais como: guardar as imediações das mesas eleitorais, guarnecer o transporte das urnas para os locais de apuração e assim segue uma longa lista de serviços que a Brigada Militar presta à sociedade.

A execução do trabalho dos policiais militares é caracterizada por atividades que se mesclam entre repetitivas e incertas, no cotidiano de policiamento ostensivo, pela constante visibilidade da farda. Repetitivas por terem de permanecer várias horas de pé, muitas vezes no mesmo lugar, atentos ao executar um trabalho como o de policiamento ostensivo, que consiste num compromisso diário e ininterrupto, numa intervenção direta nos acontecimentos tidos como “anormais” no espaço público. Incertas pelo constante suspense de perigo que caracteriza o cotidiano de trabalho policial.

O regime de trabalho do PM é relativamente prescrito por escalas, podendo ser a de 6 horas de trabalho por 18 de folga; 12 por 48 ou até mesmo 24 por 72. Mas, justamente pela incerteza desse ofício e seu regime de dedicação exclusiva, as jornadas de percurso ao trabalho ou até mesmo os momentos de folga podem ser transformados em trabalho.

Assim, o trabalho dos PMs reveste-se de características muito peculiares: não possuem horários predeterminados, principalmente para o término do serviço, ou seja, não têm uma jornada fixa, como os outros trabalhadores. Além disso, depois que a escala de serviço acaba, os PMs estão sujeitos, ainda, ao atendimento de ocorrências. Significa dizer que eles têm de estar à disposição do Estado, ou melhor, da segurança da sociedade, por imposição legal, nas 24 horas do seu dia, conforme é estabelecido no artigo 31 do Estatuto dos Servidores Militares (1997), que versa sobre o compromisso dos policiais militares, abrangendo todos os níveis hierárquicos, determinando suas condutas a uma dedicação exclusiva para a manutenção da ordem pública e segurança da comunidade, mesmo estando sujeito ao sacrifício da própria vida.

Dessa forma, ao assumir o compromisso da profissão, o policial não pode se omitir diante de fatos que exijam sua intervenção, precisa estar sempre preparado para servir à comunidade. Daí seu caráter de dedicação exclusiva: uma exigência permanente de continuidade da função para além do horário de serviço, esteja usando farda ou não.

Além dos aspectos críticos apontados em relação à rotina, incerteza e o compromisso de dedicação exclusiva, inclusive com o sacrifício da vida, pode-se citar a exposição às intempéries, ao realizar o trabalho de policiamento sob sol forte, chuva, vento e/ou frio. Conforme afirma Pinto (2000), em nenhum outro trabalho o profissional se dedica tão intensamente como o faz o policial militar.

Santos (1997, p. 162), ao abordar a questão do trabalho policial na sociedade, destaca que este é constituído por um limite que o diferencia: o direito à vida:  

A vida situa-se como limite, seja pelo risco de vida a que se sentem submetidos os policiais, civis e militares, nos campos e cidades brasileiras, devido ao aumento dos conflitos sociais-agrários e à criminalidade urbana violenta; seja pela ameaça à vida, ou no limite da norma social, exercendo um poder de modo próximo ao excesso. 

É no limite do direito à vida, descrito por Santos (1997) que, não raras vezes, o policial a perde, uma tênue linha que precisa ser equilibrada no seu poder de repreender, de coibir, de orientar e de prevenir que caracteriza a vida cotidiana do policial.

Justamente por se constituir de uma gama de atividades variadas, com ingredientes incertos e surpreendentes, talvez Monjardet (2003) tenha afirmado que o trabalho policial não procede de uma adição de tarefas prescritas, mas da seleção, pelos próprios interessados (no caso a comunidade), de suas atividades. Por esse motivo, são os mecanismos desse processo da seleção os principais determinantes da definição, da organização e da análise do trabalho policial.

Por exemplo, a residência das pessoas, a priori, é inviolável, só se podendo nela adentrar com mandado judicial ou com a autorização de quem lá reside. O PM aprende, porém, com sua técnica policial, que existem outros casos em que isso poderá acontecer, por exemplo, quando a vida das pessoas (ou de uma pessoa) está em risco, em situações diversas, de grave ameaça à integridade de alguém, casos de incêndio. Geralmente, nessas ocasiões quem faz a seleção são os vizinhos, interessados e preocupados com a vida de quem está na residência. E é nesse momento, na incerteza e na surpresa, que o risco dos outros passa a ser assumido como o risco do policial, justamente pela incerteza do cenário e do resultado do seu trabalho. Na rotina policial é comum a expressão: “nenhuma ocorrência é igual à outra, você pode atender diversas ocorrências de assaltos, furtos, mas certamente, em todas elas, haverá um ingrediente novo.”

Os ingredientes novos dos quais são constituídas as situações de trabalho do policial exigem, além do aparato jurídico-legal, sensatez, iniciativa e capacidade de negociação nas situações adversas. É no cotidiano de trabalho com a comunidade, portanto, com os seus interesses e sua seleção, que se determina a definição, a organização e a análise de onde e como o policial pode e/ou deve atuar.  

 

Considerações finais

         Ao se chegar ao final dessas breves considerações a respeito do processo de trabalho do Policial Militar é importante ressaltar a necessidade de estudos que dêem visibilidade aos aspectos referentes à violência inerente ao trabalho policial militar que se configura como uma das profissões de alto risco, não só pela sua natureza, mas também, pelas suas formas de exercê-la.

 É preciso realçar ainda que o trabalho na segurança pública, de um modo geral, caracteriza-se, hoje, como uma das áreas mais suscetíveis e vulneráveis de produção de sofrimento nos trabalhadores que a exercem. Isso porque se por um lado trabalhar na área exige a imprevisibilidade de uma rotina submersa de tensionamentos, perigos e risco de vida daqueles que a realizam; por outro lado, a convivência com uma hierarquia autoritária e uma disciplina rígida extrapola o controle da organização do trabalho militar, atingindo o seio familiar e as relações afetivas, de forma que muitas vezes, por absorver tais posturas acabam sendo assim identificados na sociedade. Por isso pensa-se que: [...] é necessário devolver aos policiais militares a “cabeça” e o “coração” que foram excluídos da sua formação policial. É necessário torná-los plenamente humanos, onde, a partir daí, o “agir” será uma dimensão humana” (CONSUL, FRAGA & SPANIOL, 2002, p.15).

            Finalmente, entende-se que trabalhar a dimensão cultural, pautando-a nos padrões e modos de comportamento e relacionamento, e considerando-a, principalmente, em seus aspectos culturais que deverá contemplar-se a construção de uma educação em Direitos Humanos na Polícia. Um dos caminhos poderá ser o de trabalhar aspectos enraizados numa cultura construída de anos; talvez iniciando por lhes devolver a ‘cabeça’ e o ‘coração’ será possível a essas profissionais pautarem suas ações na proteção e defesa dos Direitos Humanos, mudando assim sua histórica imagem negativa perante à sociedade. Os educadores sociais podem ter um papel de destaque nesse desafio que o Policial ainda precisa conquistar na sociedade.

 

[1] O artigo é parte da tese de doutoramento da autora denominada “A Polícia Militar Ferida: Da violência visível à invisibilidade da violência nos acidentes em serviço”, defendida em 2005, na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS.

[2] Assistente Social e Doutora em Serviço Social (PUCRS), professora Associada do Curso de Serviço Social da Universidade do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí e professora Colaboradora do Curso de Serviço Social da Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – URI/São Luiz Gonzaga.

 

BIBLIOGRAFIA

CONSUL, Júlio C. D. P.; FRAGA, Cristina K. & SPANIOL, Marlene. Cultura Organizacional da Polícia Militar: notas e experiências na Brigada Militar. In: Revista Unidade – Revista de Assuntos Técnicos de Polícia Militar. Porto Alegre: Gráfica Santa Rita, 2002. P.07-16.

CONSUL, Júlio C. D. P. Brigada Militar: Identifique-se! A Polícia Militar revelando sua identidade. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do RS. Porto Alegre: PUCRS, 2005.

FRAGA, Cristina K. A Polícia Militar Ferida: Da violência visível à invisibilidade da violência nos acidentes em serviço. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: PUCRS, 2005.

MARIANTE, Helio Moro. Crônica da Brigada Militar Gaúcha. Porto Alegre: Imprensa Oficial, 1972.

MARX, Karl. O Capital: crítica da Economia Política. Livro I, Vol. 1. Tradução de Reginaldo Sant´Ana. 20 ª ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.

MANUAL BÁSICO DE POLICIAMENTO OSTENSIVO, Ministério do Exército, Inspetoria-Geral das Polícias Militares, Porto Alegre, 1999.

MONJARDET, Dominique. O que faz a Polícia: Sociologia da Força Pública. Tradução de Mary Amazonas Leite de Barros. – São Paulo: EDUSP, 2003. (Série Polícia e Sociedade, n. 10).

PINTO, Ricardo J. V. de M. Trabalho e identidade: o eu faço construindo o eu sou. Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. Brasília – DF: UnB, 2000.

PONCIONI, Paula. Tornar-se policial: a construção da identidade profissional do policial no Estado do Rio de Janeiro. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, 2003.

RIO GRANDE DO SUL. Lei complementar nº 10.990, de 18 de agosto de 1997. Dispõe sobre o Estatuto dos servidores Militares da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul e dá outras providências. Estatuto dos Servidores Militares da Brigada Militar do RS. Porto Alegre: CORAG, 2001.

SANTOS, José V. T. dos. A arma e a flor: formação da organização policial, consenso e violência. Tempo Social: Revista de Sociologia da USP. São Paulo, 9(1): 155-167, maio.1997.

Vivências, Erexim. v.1, Ano1, nº 2, p. 64-73. Maio, 2006; ISSN: 1809-1636